sábado, 2 de junho de 2007

HISTÓRIA DA LITURGIA CRISTÃ


No cristianismo primitivo, liturgia e comunidade relacionam-se estreitamente como exigência de fixar a profissão da religião e de manifestar seu conteúdo em formas visíveis.
Uma sumária liturgia cristã já está contida nos Atos 2,46-47: conclui-se do texto que os primeiros cristãos de Jerusalém costumavam participar ainda das orações israelitas do templo, enquanto tinham em casa os ágapes eucarísticos.O termo liturgia reaparece nos escritos extrabíblicos de origem judeu-cristã, na Didaché 14, onde o vocábulo refere-se claramente à celebração da eucaristia unida às orações de agradecimento: "Todo domingo nos reunimos, partimos o pão e damos graças...", e na primeira carta de Clemente, que explica o culto cristão baseando-se no culto hebraico.
Certamente, a primeira Igreja apostólica, ao renovar totalmente o conteúdo do culto litúrgico, pois acontece na nova realidade do sacerdócio de Cristo, não ficou sem sofrer influência de sua origem hebraica. Todavia, a primeira descrição importante da liturgia cristã é fornecida por Justino em meados do século II: já estão definidas as duas partes essenciais da missa, a dos catecúmenos, com leitura dos textos sagrados, e a dos fiéis, que compreendia o sacrifício eucarístico. "No dia do sol, todos se reúnem; lêem-se trechos dos escritos dos Apóstolos e dos Profetas; seguem-se a homilia e orações de intercessão; então trazem-se pão e vinho misturado com água e o presidente da assembléia pronuncia sobre eles, "do melhor modo que sabe", orações e agradecimentos, a que todos respondem com um AMÉM; os dons assim "eucaristizados" são distribuídos a todos" (Apol.I, 67). Ainda Justino, confirmado depois por Tertuliano e Hipólito, dá-nos notícias das primeiras liturgias cristãs a respeito da administração do batismo e da celebração da Páscoa cristã, já totalmente separada da judaica. A "Tradição Apostólica" de Hipólito conhece, ao lado da ceia comum, uma espécie de "lucernarium" ou culto vespertino. Alguns anos antes, Tertuliano fazia referência a momentos cotidianos de oração, que nós hoje chamamos de "liturgia das horas". A partir da segunda metade do século II e, depois, no decurso do século III, já se celebram as memórias dos mártires no seu "dies natalis", com a celebração da eucaristia sobre a tumba deles, seguida de uma refeição em comum. No decurso do século IV, os termos bíblicos neotestamentários passam, por simples transliteração, do texto grego para o latino na Igreja oriental de língua grega. Ao contrário, na Igreja latina isso não acontece: de fato, ela permanece estranha à linguagem litúrgica latina e o termo "leitourgia" é traduzido por "officium, ministerium, munus...". A primeira reunião de fórmulas litúrgicas na Igreja ocidental remonta ao papa Símaco (498-514) e ao papa Leão (440-461). Ainda no decurso do século IV começam a se formar as famílias litúrgicas, que se diferenciam e se definem entre os séculos IV e VII e podem ser agrupadas em liturgias orientais e liturgias ocidentais. O primeiro elemento diferenciador fundamental foi a língua: do aramaico dos primeiros judeu-cristãos ao grego dos helenistas. As primeiras igrejas formaram-se nas grandes metrópoles do mundo de então: em Jerusalém e em Antioquia, onde os discípulos, pela primeira vez, foram chamados de "cristãos" (Atos 11,26), em Corinto e em Roma, em Alexandria e em Éfeso, bem como no norte da África latino, ou seja, Cartago. Tinham os Apóstolos constituído nessas cidades a base da nova religião; seus sucessores, muitas vezes grandes figuras de bispos santos, contribuíram para isso. As liturgias orientais conservaram fielmente o aspecto primitivo tirado das Igrejas de Jerusalém e de Antioquia; o núcleo dessas liturgias constitui-se da "anáfora", oração de oblação, e do "prefácio", em que o conteúdo das fórmulas varia de acordo com as solenidades e os tempos festivos; a elas juntaram-se os sírios católicos e monofisistas, bem como os Maronitas que seguiram a liturgia antioquena interpolada com elementos do rito romano. A liturgia siríaco-oriental teve seu centro em Edessa e foi depois adotada pelos nestorianos. A liturgia egípcia, muito antiga, conservou-se entre os monofisistas e católicos coptas. Na Ásia Menor, nasceu o rito bizantino, que foi depois substituindo as liturgias orientais e é hoje o rito dominante; a ele pertencem todas as Igrejas ortodoxas. Esse rito passou também, traduzido nas respectivas línguas, para os eslavos católicos e descendentes, para os melquitas siríacos e árabes, para os georgianos e para os romenos. A liturgia armênia deve ser considerada à parte. As liturgias ocidentais que tiveram suas matrizes em Cartago e Roma mudaram, depois do século VI, sob a influência do ano eclesiástico. No lugar do formulário único das liturgias orientais, constituiu-se no ocidente o "sacramentarium", um livro completo que continha as missas de cada dia, e o "missal". Nascem os diversos ritos: o "galicano" do qual se separou na Espanha a liturgia moçarábica; na Itália setentrional, o rito galicano teve influência sobre o rito romano e o encontro das duas liturgias fica evidente no rito "ambrosiano". O rito romano conservou invariável o "cânon", que, por conteúdo e forma, difere da anáfora oriental. A redação definitiva do cânon romano foi feita somente por São Gregório Magno; sobre as partes variáveis da missa romana têm-se diversas coleções dos tempos mais antigos. O "Sacramentarium Gregorii" foi enviado a Carlos Magno pelo papa Adriano I. Desse modo a liturgia romana adquiriu muitos elementos galicanos e dessas misturas nasceram variedades locais, suprimidas depois pelo concílio de Trento. No século VII, busca-se uma certa uniformidade nos ritos, mas a exuberante infiltração de devoções populares altera a linha sóbria e tradicional da liturgia romana. A Idade Média carrega o peso de um forte obscurantismo, inclusive litúrgico. Pio V será o papa que, em 1570, pondo em prática os decretos do concílio de Trento (1545-1563), empreenderá a reforma litúrgica, que levará seu nome e será continuada por seus sucessores até Paulo V (1614). A reforma protestante rompeu decididamente com a liturgia tradicional, procurando simplificar sua estrutura e tornar o culto mais popular, com a introdução da língua vulgar e uma participação mais direta dos fiéis no rito. Lutero, propondo-se a purgar a missa latina de qualquer acessório, manteve seu esquema geral, mas tirou o ofertório e transformou o cânon, embora tenha deixado as perícopes e as coletas; manteve as vestes sacras, o altar com os candelabros, o acesso à comunhão e sua administração, mas deu nova interpretação à elevação. Esse sistema enfraqueceu durante a guerra dos Trinta Anos. Também Zwingli suprimiu todas as partes integrantes latinas, abandonou todo o esquema da missa e separou, por princípio, a prédica da comunhão. Calvino, por sua vez, no regulamento por ele introduzido em Genebra, mostra-se dependente de Lutero e de Zwingli, mas sobretudo de M. Butzer. Constituiu um serviço religioso diferente do romano e do luterano: uma mesa no lugar do altar; separação entre a prédica e a comunhão e, nesta, o pensamento não deve se fixar no pão e no vinho, mas os corações devem se elevar ao alto, onde Cristo vive na glória do Pai, para sermos nutridos de sua substância e tornarmo-nos partícipes do Reino de Deus. Há, além disso, o ritual do serviço divino próprio da Igreja anglicana indicado no "Book of common prayer" (1549), em que se sente a influência luterana, oriental e católico-romana e que foi reformado em 1662. A partir do final do século XIX, o movimento litúrgico suscita idéias novas no conhecimento litúrgico, exige aprofundamentos teológicos, tanto da parte protestante como da católica. Entre os protestantes, o movimento litúrgico foi promovido por F. Spitta e J. Smend e depois por R. Otto e F. Heiler, todos animados pelo desejo de fazer reviver o sentido da oração comunitária e a ativa participação dos fiéis no culto. Entre os católicos, o retorno a formas de liturgia antiga, em que esteja presente toda a comunidade, entrelaçou-se com a obra dos beneditinos de Solesmes, com o abade P. Guéranger, morto em 1875, e, na Alemanha, com a dos beneditinos Mauro e Plácido Wolter, fundadores da congregação de Beuron. Da liturgia, L. Beauduin dá uma definição tão breve quanto eficaz: "A liturgia é o culto da Igreja": "Igreja" absorve o sentido comunitário e ao mesmo tempo cristológico, sendo a continuação de Cristo no mundo. O beneditino alemão O. Casel de Maria Laach (1886-1948) insistiu sobre o valor da liturgia como "celebração" do mistério salvífico de Cristo, que se torna presente no rito, a ponto de a assembléia poder louvar e adorar a Deus "em espírito e verdade". O papa Pio X acolhe esse grande novo impulso que se localiza principalmente na Bélgica na universidade católica de Louvain, depois na Holanda, na Alemanha na abadia de Maria Laach, e na Áustria em Klosterneuburg. Todos esses fermentos de renovação e de aprofundamento litúrgico introduzem também "novidades" que incidem sobre os aspectos doutrinais, incorrendo em infrações disciplinares. Por meio da encíclica Mediator Dei, promulgada em 20 de novembro de 1947, o papa Pio XII interveio nessa situação de confusão, movido por preocupações pastorais e ao mesmo tempo de adaptação às exigências religiosas e culturais modernas.Nessa encíclica, a liturgia é definida em relação ao conteúdo como "a continuação do ofício sacerdotal de Cristo", ou mesmo "o exercício do sacerdócio de Cristo". Quanto à sua realidade completa de celebração, "é o culto público total do corpo místico de Cristo, cabeça e membros". A liturgia, portanto, por sua natureza interna, é sacramental, sendo sempre sinal de uma efetiva presença de Cristo. Além disso, Cristo prestou um culto perfeito ao Pai, glorificando-o na total adesão à Sua vontade, na qual assumiu todos os redimidos, libertando-os das obras de morte. Por último, ela é exercida necessariamente nos ritos que realizam, por intermédio dos símbolos, a obra santificadora de Cristo em relação a cada um de nós. Em 1962, o concílio Vaticano II, convocado pelo papa João XXIII, oferece como seu primeiro documento justamente a constituição "Sacrosanctum Concilium", voltada para a reforma litúrgica, que obteve na votação dos Padres Conciliares, dia 4 de dezembro de 1963, 2147 placet contra 4 non placet e foi aprovada definitivamente pelo papa Paulo VI. Com essa constituição, reafirma-se o significado de liturgia expresso na constituição anterior, "Mediator Dei", ressaltando, porém, o aspecto "pascal", realidade e mistério, "lugar" coextensivamente teológico e litúrgico: o mistério pascal não é "um dia" no calendário religioso, mas é o plano de salvação divina tornado atual na revelação em Cristo. A Igreja, portanto, é continuamente "profecia" que anuncia o mistério e atualiza-o na ação litúrgica. Essa constituição aborda, além disso, aspectos normativos das celebrações festivas, dos santos, da administração dos sacramentos, da abertura às línguas locais com o objetivo de ajudar a "concelebração do sacerdote com os fiéis"

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