sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A Unção dos Enfermos na Liturgia


Rev. Edson Cortasio Sardinha
 


U
m pastor derramou doze litros de óleo em sua cabeça para receber unção e repassar aos fiéis da Igreja. Num culto pentecostal um pastor derramou dois litros de óleo na cabeça e se sentiu cheio de poder. Um pastor enterrou uma garrafa de óleo no monte para que o mesmo ficasse cheio de poder e unção. Garrafinhas de óleo de unção são vendidas nos templos para atrair dinheiro para a obra e poder para as famílias.
            Infelizmente existem tantos exageros e fanatismo com o uso do óleo da unção que muita gente prefere ignorar a prática bíblica da Unção dos Enfermos.
            Desejo de forma rápida, compartilhar breves palavras sobre a Unção com óleo na Bíblia, na História da Igreja e na Liturgia

1. Tipos de Unção
            No antigo Testamento encontramos o uso do óleo para ungir objetos. Era uma forma de consagrar os objetos para o culto a Deus. (Êxodo 29:36-37; 30:25-29). Os objetos ungidos se tornavam santos ao serviço do Senhor.
            O Antigo Testamento também fala da Unção de Pessoas. Wesley diz que "Entre os Judeus, a unção era a cerimônia pela qual os profetas, os sacerdotes e os reis eram iniciados nos seus ofícios" (Nota de Wesley a Mateus 1.16).  Eram ungidos os profetas, os reis e os sacerdotes.
            Unção de Reis: Os reis eram ungidos como libertadores para o povo de Israel e para governar sobre o povo como seu pastor (I Sm  9.16).
            Unção de Sacerdotes: Os sacerdotes eram ungidos, de modo a consagrá-los e reconhecê-los como pessoas separadas para servir a Deus através do sacerdócio (Ex 40.13-15).
            Unção de profetas: O ofício profético era estabelecido pelo ato da unção. (Is 61.1-3.
2. Os Produtos utilizados para a unção
             Azeite: Era símbolo da alegria, da saúde e da qualificação de uma pessoa para o serviço do Senhor (Sl 92.10).
            Unguento: Era uma gordura misturada com perfumes especiais que lhe davam características muito desejáveis. Era utilizado para ungir os pés dos hóspedes, simbolizando a alegria pela chegada daquele hóspede, e desejando-lhe boas vindas (Jo 11.2; Dn 10.2-3; Rt 3.3).
            Óleos curativos: Usavam-se os óleos com poder curativos para amolecer feridas e purificá-las (Is 1.6, Lc 10.34).
            Unguento fúnebre: Este unguento era utilizado na preparação do corpo para o sepultamento, como parte de um processo de embalsamamento: (Mt 26.12; Lc 23.55-56).

3. Modos de aplicação
            Na cabeça: O derramamento de óleo sobre a cabeça de um homem indicava que este homem havia sido separado para uma determinada tarefa a serviço do Senhor ( I Sm 10.1; Sl 23.5; Ec 9.8).
            No rosto: A unção do óleo no rosto tinha como objetivo a hidratação, e a proteção contra as forças da natureza (Sl 104.15).
            Nos pés: Como já foi dito, este ato estava normalmente relacionado com uma recepção digna e alegre de um hóspede bem-vindo (Lc 7.38)
            Sobre as feridas: Utilizado como medicamento (II Rs 20.5-7).

4. A Prática dos Apóstolos do Senhor Jesus
            No Evangelho de Marcos 6.7,12-13 está escrito: "Chamou os doze discípulos, começou a enviá-los dois a dois e dava-lhes poder sobre os espíritos maus. Então os discípulos partiram e pregaram para que as pessoas se convertessem. Expulsavam muitos demônios e curavam muitos doentes, ungindo-os com óleo".
            A expulsão dos demônios e a cura milagrosa de muitos enfermos eram acompanhadas da unção com óleo.

5. A Orientação de Tiago 5:14-16
            A Carta de Tiago 5.14-16 diz: "Alguém de vocês está doente? Mande chamar os presbíteros da Igreja para que orem por ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor. A oração feita com fé salvará o doente: o Senhor o levantará e, se ele tiver pecados, será perdoado. Confessem mutuamente os próprios pecados e orem uns pelos outros, para serem curados. A oração do justo, feita com insistência, tem muita força".
            A orientação doutrinária é que os doentes sejam ungidos com óleo pelos presbíteros em nome do Senhor. A oração da fé levantará os enfermos e perdoará pecados.
            Tanto em Marcos como Tiago, a unção com óleo esta relacionada a uma ação de Deus, e não aos poderes curativos ou medicinais do óleo.

6. O Uso da Unção na História da Igreja.
            Orígenes, um dos Pais da Igreja, comenta o texto de Tiago 5:14, mas trata apenas da questão do perdão dos pecados, e não menciona o uso do óleo.
            Agostinho menciona o uso do óleo uma vez em seus escritos sobre milagres.   
            Tertuliano, diz Sétimo Severo, foi curado na oração com imposição do óleo pelo cristão Prócolo.
            Crisóstomo dizia que o óleo para ungir os doentes deveria ser retirado das lâmpadas que alumiavam o templo. Esta prática é usada ainda hoje na Igreja Grega.
            Crisóstomo também recomenda ungir um bêbado com óleo retirado da tumba dos mártires cristãos, como remédio para curar a bebedice.
            Os Nestorianos misturavam óleo e água com algumas relíquias de alguns santos; caso estas não fossem encontradas, usava-se poeira de uma cena de martírio e ungia-se o doente com tal mistura.
            Cirilo de Alexandria e Cesário de Arles alertavam o povo contra encantamentos e mágicas, dizendo que o poder não vinha do óleo. Óleo é apenas Sinal.
            A partir do quarto século em diante, a liturgia da igreja Grega e outras liturgias orientais já continham fórmulas para consagrar o “óleo santo”. Um bom exemplo disso é O Sacramentário de São Serapião (quarto século, Egito).
            A carta de Inocêncio I para Decentius, datada de 19 de Março de 416 diz que “os cristãos doentes têm o direito de serem ungidos com o santo óleo da crisma, o qual, sendo consagrado pelo bispo, não é legal apenas para os bispos somente, mas para todos os cristãos que precisem dele para suas próprias necessidades, bem como para seus servos.”
            Antes do fim do oitavo século, contudo, uma mudança ocorreu no Ocidente, pela qual o uso do óleo foi transformado para unção daqueles que estavam para morrer, não como um meio para recuperar o doente, mas com vistas à remissão dos pecados daquele que está morrendo.
            O sacramento da Extrema Unção é mencionado pela primeira vez entre os sete sacramentos da Igreja Católica no século XII. Foi discutido e decretado no Concílio de Trento (na pós-Reforma), que “a santa unção do doente foi um sacramento estabelecido por Cristo e promulgado aos crentes por Tiago, apóstolo e irmão e nosso Senhor”.
            O Concílio Vaticano II mudou o nome de Extrema Unção para Unção dos Enfermos, seguindo uma linha ecumênica para estar mais próximo dos Protestantes Históricos.
            Atualmente a Igreja Católica, Igreja Anglicana e outras igrejas históricas usam três óleos para a Liturgia da Igreja.
            Óleo da Confirmação (crisma): usado na ocasião em que o jovem (ou adulto) reafirma os votos batismais que foram feitos em seu nome por seus pais e padrinhos, tornando-se “responsável pela Fé que professa”. Também é usado nas ordenações sacerdotais como sinal de consagração dos “ungidos de Deus” para exercer o Sagrado Ministério;
            Óleo dos Catecúmenos: usado nas celebrações do Santo Batismo (através do sinal da cruz) significando a libertação do mal para que o iniciado na Fé Cristã seja consagrado e esteja apto a receber o Espírito Santo que vai guiá-lo no “novo nascimento em Cristo”, e
            Óleo dos Enfermos: usado na administração da Bênção da Saúde (que tomou o lugar da “extrema unção”). Esta unção é para que a pessoa fique curada, ou tenha força para enfrentar os sofrimentos olhando para a Paixão do Senhor Jesus, ou então para, sendo a vontade de Deus, prepare-se para atravessar o “vale da sombra da morte” (Sl 23) e desfrutar da Vida Eterna.
            A Igreja Anglicana e a Católica têm um bonito Rito de Consagração dos Óleos para Unção na Quinta-feira Santa. Na parte da manhã acontece este Rito Sacramental - A Bênção dos Santos Óleos. Não se pode precisar com exatidão a origem da bênção conjunta destes três óleos, mas sabe-se que também eram abençoados no Domingo de Ramos e até no Sábado de Aleluia. Atualmente este ritual é presidido pelo bispo diocesano, e têm lugar no templo da Igreja Catedral onde são consagrados.
            A Unção aos Enfermos foi transformado em Sacramento.

7. Liturgia da Unção dos Enfermos
            O Livro de Oração Comum, utilizado pelos Anglicanos desde o século XVI e amado por João Wesley, apresenta dois Ritos de Unção dos Enfermos.
            O Culto é iniciado com um Cântico de iniciação e uma palavra de acolhida. Logo após é realizado o Ato Penitencial. Louva-se a Deus com Cânticos e a Igreja recebe a Palavra no momento da Liturgia da Palavra. São lidas duas porções da Bíblia: Tiago 5.14-16 e Marcos 6.7-13.
            Finalmente ocorre a Imposição das Mãos com a Unção do Óleo. No Livro de Oração Comum Brasileiro existe a seguinte orientação: "Qualquer pessoa enferma, seja grave ou passageira a sua doença, pode receber a imposição de mãos e a Santa Unção, e ambas podem ser administradas tantas vezes quantas requeridas durante a mesma unção".
            Neste momento o Ministro diz ao povo: "O Senhor Onipotente, que é uma torre forte para quantos nele confiam, ao qual todas as coisas nos céus, na terra, e debaixo da terra se curvam e obedecem; seja agora e para sempre a tua defesa, e te faça conhecer e sentir, que debaixo do céu não há outro nome dado aos homens em quem e por quem tu recebas saúde e alcances a salvação, exceto unicamente o nome de nosso Senhor Jesus Cristo".
            Outra orientação segue: "As pessoas doentes devem vir à frente e ajoelhar-se no genuflexório, ou, incapacitados a isso, o Ministro irá a elas. Então, imergindo o seu polegar direito no Santo Óleo, porá suas mãos sobre a cabeça de cada um, e depois ungirá a fronte com o sinal da cruz, dizendo: Eu imponho minha mão sobre ti e te unjo com óleo, em o nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, no poder de nosso Senhor Jesus Cristo para que, livre de todo o sofrimento e enfermidade, recebas a bênção da saúde.”
            O Ministro ora para que a Unção vá além da cura física. "Assim como está ungido externamente com este Santo Óleo, assim também o nosso Pai celestial te conceda a unção interior do Espírito Santo. Que Ele, por sua grande misericórdia, perdoe os teus pecados, te liberte de teus sofrimentos, fortaleça e te restaure integralmente. Que o Senhor te liberte de todo o mal, te conserve em toda bondade, e te preserve na vida eterna. Por Jesus Cristo, nosso Senhor".

8. Nossa Prática de Ungir Enfermos
            De um lado está o exagero e fanatismo de grupos neopentecostais com relação a Unção com Óleo, do outro lado está um Ritual Litúrgico que dá à unção uma beleza, ordem e decência.
            Olhamos para Tiago 5.14-16 e Marcos 6.7-13. e praticamos com simplicidade e fé a Unção dos Enfermos, não crendo no Poder do Óleo, mas no poder da Oração da Fé em Cristo Jesus.
            Não usamos o Óleo como Sacramento nem como veículo mágico de poder.
            Utilizamos apenas como meio de Graça, debaixo da orientação bíblica para Ungir os Enfermos e consagrar nossas vidas ao Senhor.
            Ao Senhor seja a Glória, agora e para sempre. Amém.